Tarsila do Amaral é uma das maiores artistas da história do Brasil. Com um estilo vibrante e ousado, ela ajudou a fundar o movimento modernista no país e tornou-se símbolo da arte nacional ao combinar elementos da cultura popular, da paisagem brasileira e das vanguardas europeias. Seu legado é um marco da identidade cultural do Brasil no século XX.
Origens e Formação
Infância e raízes paulistas
Tarsila nasceu em 1º de setembro de 1886, na Fazenda São Bernardo, em Capivari, interior de São Paulo, em uma família rica de fazendeiros. Desde cedo teve acesso à educação formal, algo incomum para mulheres de sua época, e mostrou interesse pelas artes.
Formação acadêmica e experiência internacional
Estudou pintura em São Paulo, depois em Barcelona, onde fez seu primeiro quadro relevante, Sagrado Coração de Jesus (1904). Em 1920, mudou-se para Paris, onde frequentou a Académie Julian e teve contato direto com as vanguardas europeias, como o cubismo e o futurismo, além de artistas como Fernand Léger, de quem foi aluna.
O Grupo dos Cinco e a Semana de 22
A explosão modernista
Tarsila tornou-se um dos pilares do Grupo dos Cinco, ao lado de Anita Malfatti, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia. Embora ela não tenha participado diretamente da Semana de Arte Moderna de 1922, suas obras e ideias foram fundamentais para consolidar o movimento.
Modernismo com sotaque brasileiro
Enquanto os modernistas buscavam romper com o academicismo e valorizar a cultura brasileira, Tarsila foi além: usou cores tropicais, formas da arte popular e temas nacionais. Suas obras são consideradas um divisor de águas por transformar o Brasil em tema legítimo de arte erudita.
Fase Pau-Brasil: A Invenção de um Brasil Moderno
Estética nacional
Em 1924, após uma viagem com Oswald de Andrade por Minas Gerais, Tarsila mergulhou em sua fase Pau-Brasil. Inspirada na vegetação, arquitetura colonial, folclore e festas populares, produziu obras que exaltavam o “Brasil profundo”.
Obras-chave dessa fase:
- A Negra (1923): corpo monumental e estilizado de uma mulher negra, símbolo da miscigenação brasileira.
- O Mamoeiro (1925): vegetação tropical em cores vibrantes e formas geométricas.
- Sol Poente (1929): paisagem rural com uma paleta intensa e tons terrosos.
Antropofagia: A Arte de Devorar o Mundo
O Manifesto Antropofágico
Em 1928, Oswald de Andrade lançou o Manifesto Antropofágico, inspirado no quadro Abaporu (1928), que Tarsila deu a ele de presente. A obra — que significa “homem que come gente” em tupi — é talvez sua pintura mais icônica, e representa a ideia de “devorar” influências estrangeiras para criar algo novo e autenticamente brasileiro.
“Tarsila foi a pintora da nossa primeira etapa verdadeiramente nacional.” — Mário de Andrade
O impacto de Abaporu
A figura solitária com pés gigantes e uma cabeça pequena tornou-se símbolo do modernismo brasileiro. O quadro hoje pertence ao acervo do MALBA (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires) e é um dos mais valorizados da arte latino-americana.
Últimos Anos e Reconhecimento
Fase social e realismo
Na década de 1930, com a ascensão de ideais comunistas e após passar por dificuldades financeiras, Tarsila iniciou uma fase de pintura social, com obras como Operários (1933), retratando rostos de trabalhadores anônimos. Foi presa em 1932 durante o Estado Novo por sua ligação com movimentos de esquerda.
Legado e redescoberta
Tarsila do Amaral faleceu em 17 de janeiro de 1973, no auge do esquecimento por parte da crítica da época. Contudo, nas décadas seguintes, sua obra foi revalorizada e hoje ela é celebrada internacionalmente como um ícone da arte moderna. Em 2018, o MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York) realizou a exposição Tarsila do Amaral: Inventing Modern Art in Brazil, aclamada pela crítica.
Conclusão
Tarsila do Amaral foi uma artista revolucionária, não apenas pelo talento técnico e inovação estética, mas por ter acreditado profundamente no Brasil. Sua pintura transformou o modo como o país se via e se representava no mundo. Entre cores vivas, figuras oníricas e cenas do cotidiano, ela construiu uma ponte entre o Brasil arcaico e o moderno, entre a arte popular e a vanguarda internacional.
Referências
- Freire, Maria Auxiliadora. Tarsila: Sua obra e seu tempo. Editora Perspectiva, 1980.
- Lucie-Smith, Edward. Arte Hoje: de 1945 aos nossos dias. Edições 70, 1995.
- Museu de Arte de São Paulo (MASP): https://masp.org.br
- MALBA – Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires: https://malba.org.ar
- MoMA – Tarsila do Amaral Exhibition (2018): https://www.moma.org
- Projeto Tarsila do Amaral: https://tarsiladoamaral.com.br